O fumo quando nasce é para todos
Só mesmo um exagero da revista Atlântico me forçaria a vir aqui. Local este que cumpre bem o papel de vazadouro de opiniões- que- também -podiam -ser- cartas- ao- director. Porque deve ser do Director da dita revista a autoria do texto. Reza assim : " A propósito da lei anti-fumo vale a pena contar um pequeno episódio .Há umas semanas a Atlântico entrou numa pequena localidade em Espanha. Parámos o carro e entrámos num café , que tinha pendurado à porta com evidente orgulho " aqui pode-se fumar". Naquele letreiro estava um apelo à resistência c0ntra os tentáculos de um poder central que tudo quer legislar e um grito de defesa da propriedade privada: " no meu estabelecimento, só eu é que decido se se pode ou não fumar". Esta lei absurda revela como o Estado -Providência se não existir sensatez, se pode transformar numa ameaça às liberdades individuais. Este excesso voluntarista parte do princípio que se o Estado se encarrega da saúde dos cidadãos então tem o direito de impor comportamentos saudáveis. Pode ser que começe aqui uma inesperada solidariedade contra a arbitrariedade do Estado. A Atlântico está neste caso inteiramente ao lado da liberdade de quem fuma". Confesso que semelhante texto provoca em mim a mesma reacção das crónicas de Miguel Sousa Tavares em "A Bola": irritação . Com a diferença que na Bola sempre possa esperar pela próxima quinta-feira e desfrutar da melhor cronista de toda imprensa portuguesa : Leonor Pinhão. Não acontece o mesmo na Atlântico que não tem nenhuma Leonor Pinhão das ideias . A imagem é pobrezinha e está batida mas vem sempre a jeito : é água a mais na Atlântico . Então a Atlântico acha , ingenuamente, que o tal cafezinho pendurou não sei o quê na porta em defesa da propriedade privada ? E que o modesto taberneiro espanhol qual David contra Golias lança um apelo à resistência contra os tentáculos do poder central ? E que na linha da frente pelas liberdades individuais contra o Estado-providência se perfila com "orgulho" esse Quixote fronteiriço representante de todas as "bodegas" ibéricas ? A Atlântico delira certamente. O acto singelo de pendurar um letreiro na porta a dizer aos viajantes " aqui pode-se fumar" não tem nada de heróico e é a comezinha tradução das preocupações de todos os estalajadeiros que têm que pagar renda e salários: mais clientes, mais negócio. E nisto vai um verdadeiro Atlântico de distância entre o início de uma vibrante campanha contra a lei anti-tabaco , a que a revista galhardamente se põe ao lado e a simples mas justificada preocupação com as contas ao fim do mês. Onde a Atlântico vê nobres ideais afinal só há esperteza saloia e capitalismo elementar de quem tem de manter o café aberto e ganhar a vida . Patético, reconheça-se. Imaginamos o nosso Manolo se por acaso lhe for parar às mãos este número da revista Atlântico, agarrado à barriga de tanto rir: então aquela rapaziada portuguesa que veio cá beber um café e até deixaram gorgeta acha que eu sou contra o "Estado providência" e mais não sei quê tentacular ? Sou isso tudo e mais o que eles quiserem " si si no me quitan la tienda" e deixarem uns trocos! É claro que estes excessos atlânticos caem no ridículo e contribuem até para debilitar alguma argumentação minimamente consistente contra a lei anti-tabaco. Mas se alinharmos a discussão por uma via menos cómica há que dizer duas ou três coisas. A Atlântico acha que a lei anti- tabaco é uma arbitrariedade do Estado e que a liberdade de quem fuma está em causa. Eu acho que a questão também está na liberdade de quem não fuma. E é ante a ponderação das duas liberdades que o Estado tem de agir. Mas ao fazê-lo deve escolher a parte mais fraca, que é justamente a de quem não fuma . A Atlântico acha que o Estado não tem que impor comportamentos saudáveis às pessoas e que na casa de cada um ( ainda que a tenha aberta ao público) o proprietário faz o que quer. O argumento tem barbas e está cansado. A Atlântico sabe bem que a propriedade privada e a liberdade individual não garantem tudo ( nem vale a pena aduzir aqui alguns exemplos que sempre pecariam por excessivos) , designadamente essa ideia peregrina de que tudo se pode fazer no uso desses direitos . Nem o direito à privacidade é absoluto quanto mais o direito de propriedade . A questão da lei anti-tabaco não é só um problema de saúde privada e liberdade individual . É um problema de saúde pública e é um tema a resolver em sede de conflitos de direitos. Mas a Atlântico não quer ir por aí . A sua bela e cómica campanha está já montada : Viva a desobediência à lei ! Viva o direito de resistência ! O fumo quando nasce é para todos !
3 Comentários:
Olá! Vim cá espreitar. Gostei...
Cheguei aqui pelo Inconfidências e gostei muito.
Vou voltar.
Cumprimentos,
beM adOrei este post
principalmente porque estou cansada de ser fumadora passiva.
E quanto à lei, não acredito que ela vá para a frente, pelo menos, no seu todo. Ou seja, como vai ser dada a possibilidadde ao dono do estabelecimento escolher se deixa ou não que os clientes fumem já se está à espera do que vai acontecer.
No entanto, talvez em lisboa e porto seja realmente proibido fumar em restaurantes de comida macrobiotica e vegetariana mas em cidadezinhas como a minha em que há meia duzia de restaurantes não posso estar à espera de milagres não é verdade?!?
fica bem*
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