Leituras (in)constitucionais da crise
Aparentemente
incomodado pela forma como a demissão de Paulo Portas lhe foi escondida e pior
ainda por aquele o ter feito passar por " parvo" ( expressão do Prof. Marcello Rebelo de Sousa
) na posse da nova da nova Ministra das
Finanças, o Presidente da República decidiu que a remodelação do Governo e o rearranjo do Dr. Passos Coelho e do Dr. Portas ficariam adiados.
Segundo o Presidente outra solução asseguraria melhor o interesse
da República portuguesa : o "compromisso
de salvação nacional" . Acrescentou à crise mais crise, ainda que por uma
razão piedosa .
A
nova solução suscitou a revolta contida do PSD, do CDS e do PS e
o desagrado do PCP e do BE . O que o
PR não esperaria foi a reacção negativa da opinião pública e da
opinião publicada. Tirando alguns plumitivos que mal se fala em " personalidades" e " salvar o país" ficam logo
tolhidos à espera que o telefone toque ou
de outros que querem o lugar do Dr. Passos
Coelho no PSD e do Dr. Portas no CDS ,
quase toda a gente falou da "loucura
presidencial ", "do caos em cima do caos", da “ nave de loucos” da
manifesta falta de senso da solução e sobretudo da sua indecifrável natureza .
Na
verdade o que seja o tal
"compromisso de salvação nacional" ninguém
descortinou com segurança . Acordo sem incidência governativa que prepara
as eleições e o pós troika ?
Entendimento para o ano que resta até à anunciada antecipação eleitoral? Esforço
parlamentar de sustentação, ainda que pela negativa, de um governo de iniciativa presidencial
composto por " personalidades" ? Se as duas primeiras hipóteses geram perplexidade a última suscita medo... muito
medo!
A
solução de Governo de " luminárias" , assente no silêncio forçado dos
partidos, é um desastre democrático. Os ensaios presidencialistas em regimes
semipresidenciais sempre deram péssimo
resultado. Recordemos os Governos de
iniciativa presidencial do Presidente Eanes. Sem sucesso e de má memória todos
eles.
Mas
o que quer que o “ compromisso”
signifique o PR devia saber ( ou
antever) que a solução estava morta à nascença. Todos ( PSD, PS, CDS)
dizem que vão fazer um esforço , mas nada de substancial resultará . Assim como
assim a sua imagem perante a opinião pública não vai ficar pior por isso.
Do
que resulta que a solução presidencial para crise é contraditória ( não quer eleições mas
dissolve a AR a prazo; diz que o Governo está em plenitude de funções , mas
retira-lhe legitimidade ao encurtar o
seu prazo de duração ) , está completamente arredia do sentimento popular ( que
quer que esta trapalhada termine o mais depressa possível) e sobretudo ao prolongar a crise , degrada ainda mais a
economia ( Bolsa, Dívida Pública e “ratings”, falaram eloquentemente),
enfraquece o Governo em funções, mostra o que o
semipresidencialismo tem de pior e, no
limite , é de duvidosa
constitucionalidade .
O PR
não pode a pretexto de um entendimento interpartidário para dar cobertura directa ou indirecta a uma
solução de compromisso de salvação nacional , degradar as condições políticas de
existência e do funcionamento do actual
Governo sustentado numa
maioria parlamentar clara .
Não
pode, sem grave entorse da letra e do espírito da Constituição, anunciar uma
dissolução da AR a prazo e a convocação de novas eleições, sem ouvir todos os
partidos políticos e o Conselho de Estado sobre essa concreta questão. Este
ponto é aliás incompreensível : uma
dissolução da AR , a prazo ( Junho de 2014) , assente num compromisso entre PSD, CDS e PS, que ignora o
PCP , o BE e os Verdes e que coloca os
conselheiros de Estado, que têm obrigatoriamente que ser ouvidos, no papel de
figuras de corpo presente ? Admito até que algum Conselheiro mais intempestivo, se recuse a participar
na reunião do CE quando convocado ( para
o ano ? ) a propósito da dissolução do Parlamento ...
E
não será o anúncio dissolução da AR, a
tão largo prazo, um desconsideração das funções parlamentares e uma diminuição
do seu próprio estatuto ? O que diz a Dra. Assunção Esteves disto tudo ? E que sentido faz anunciar uma dissolução com
tanta antecedência sem saber ( e como saber ? )
como vamos estar política, económica e socialmente daqui a um ano ? Não
significa isso, também um esvaziamento ainda que indirecto do próprio poder
presidencial nessa matéria ?
O
Governo PSD-CDS, goste-se ou não dele, assenta
num acordo de coligação entre os dois partidos , validamente suportado por uma maioria de
Deputados na AR. A nova recomposição governamental / remodelação que o PSD e o
CDS apresentaram é absolutamente
inatacável do ponto de vista da sua legitimidade constitucional. O PR não tem
um único argumento válido para a não
aceitar.
É
verdade que o PR disse que o Governo
está em funções, mas ao anunciar a dissolução a prazo da AR e ao não dar
resposta à remodelação governamental, colocou o Governo objectivamente em
gestão. Eis outra grave entorse da Constituição…
Para
ser coerente teria de demitir desde já o Governo, já que considerou indesejável
convocar eleições imediatamente . Teria então de descobrir factos que
fundamentassem a constatação do " irregular funcionamento das instituições
democráticas" fora dos argumentos
comunistas , bloquistas e verdes
, é claro ( que entendem estarem a democracia e as “ conquistas” em crise desde 1982
) . Quais os factos concretos que
permitiriam chegar a essa conclusão ? O Ministro Portas ter anunciado a demissão e
ter voltado com a palavra atrás ? O Ministro Gaspar ter-se demitido e
publicitado uma carta? Por graves ou criticáveis que possam ser tais factos ( e
é discutível) não traduzem qualquer
situação de irregular funcionamento das instituições democráticas.
Ora,
se o PR não pode demitir o Governo, não
pode , por maioria de razão, impedir a
remodelação que o PM lhe apresentou . E menos ainda- e aí não só pelas razões de
natureza económica e financeira, que
invocou no seu discurso, como por razões políticas - dissolver a AR e convocar
novas eleições. Umas e outras, muito simplesmente, por respeito para com a Constituição ( que não está suspensa)...
1 Comentários:
Depois de uma hibernação de mais de três anos será que teremos direito a novo conjunto de crónicas destinadas a futura compilação como a de 2002?
Só que me parece, em título e em vez do "Pessimismo Democrático" da original há que se ser agora superlativo: que tal "Pessimismo Democrático Ainda Mais Pessimista"?
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