segunda-feira, julho 15, 2013

Leituras (in)constitucionais da crise


Aparentemente incomodado pela forma como a demissão de Paulo Portas lhe foi escondida e pior ainda  por aquele o ter   feito  passar por " parvo" (  expressão do Prof. Marcello Rebelo de Sousa )   na posse da nova da nova Ministra das Finanças, o Presidente da República decidiu que  a remodelação do Governo e o rearranjo do Dr.  Passos Coelho e do Dr. Portas ficariam adiados.  Segundo o Presidente  outra solução asseguraria melhor o interesse da República portuguesa  : o "compromisso de salvação nacional" . Acrescentou à crise mais crise, ainda que por uma razão piedosa  .
A nova solução suscitou  a  revolta contida  do PSD, do CDS e  do  PS e o desagrado  do PCP e do BE . O que o PR  não esperaria  foi   a  reacção negativa da opinião pública e da opinião publicada. Tirando alguns plumitivos que mal se fala em " personalidades"  e " salvar o país" ficam logo tolhidos à espera que o telefone toque  ou de outros  que querem o lugar do Dr. Passos Coelho no PSD e do Dr. Portas no CDS  , quase  toda a gente falou da "loucura presidencial ", "do caos em cima do caos", da “ nave de loucos” da manifesta falta de senso da solução e sobretudo da sua indecifrável natureza  .
Na verdade o que seja o tal  "compromisso de salvação nacional"  ninguém  descortinou com segurança .  Acordo sem incidência governativa que prepara as eleições e o  pós troika ? Entendimento para o ano que resta até à anunciada antecipação eleitoral? Esforço parlamentar de sustentação, ainda que pela negativa,  de um governo de iniciativa presidencial composto por " personalidades" ? Se as duas primeiras hipóteses   geram perplexidade a última suscita medo... muito medo!
A solução de Governo de " luminárias" , assente no silêncio forçado dos partidos, é um desastre democrático. Os ensaios presidencialistas em regimes semipresidenciais  sempre deram péssimo resultado. Recordemos  os Governos de iniciativa presidencial do Presidente Eanes. Sem sucesso e de má memória todos eles.
Mas o que quer que o “ compromisso”  signifique o  PR devia saber ( ou antever)  que a solução  estava morta à nascença. Todos ( PSD, PS, CDS) dizem que vão fazer um esforço , mas nada de substancial resultará . Assim como assim a sua imagem perante a opinião pública não vai ficar pior por isso.  
Do que resulta que a solução presidencial para crise  é contraditória ( não quer eleições mas dissolve a AR a prazo; diz que o Governo está em plenitude de funções , mas retira-lhe legitimidade ao encurtar  o seu prazo de duração ) , está completamente arredia do sentimento popular ( que quer que esta trapalhada termine o mais depressa possível)   e sobretudo ao  prolongar a crise , degrada ainda mais a economia ( Bolsa, Dívida Pública e “ratings”, falaram eloquentemente), enfraquece o Governo em funções,   mostra o que o  semipresidencialismo tem de pior  e,  no limite , é de duvidosa   constitucionalidade .
O PR não pode a pretexto de um entendimento interpartidário  para dar cobertura directa ou indirecta a uma solução de compromisso   de salvação nacional  , degradar as condições políticas de existência e do funcionamento do actual  Governo  sustentado numa maioria  parlamentar clara .
Não pode, sem grave entorse da letra e do espírito da Constituição, anunciar uma dissolução da AR a prazo e a convocação de novas eleições, sem ouvir todos os partidos políticos e o Conselho de Estado sobre essa concreta questão. Este ponto é aliás incompreensível   : uma dissolução da AR , a prazo ( Junho de 2014) , assente num  compromisso entre PSD, CDS e PS, que ignora o PCP , o BE e os Verdes e que coloca  os conselheiros de Estado, que têm obrigatoriamente que ser ouvidos, no papel de figuras de corpo presente ? Admito até que algum Conselheiro  mais intempestivo, se recuse a participar na  reunião do CE quando convocado ( para o ano ? ) a propósito da dissolução do Parlamento ...
E não será o anúncio  dissolução da AR, a tão largo prazo, um desconsideração das funções parlamentares e uma diminuição do seu próprio estatuto ? O que diz a Dra. Assunção Esteves disto tudo ?  E que sentido faz anunciar uma dissolução com tanta antecedência sem saber ( e como saber ? )  como vamos estar política, económica e socialmente daqui a um ano ? Não significa isso, também um esvaziamento ainda que indirecto do próprio poder presidencial nessa matéria ?  
O Governo PSD-CDS, goste-se ou não dele,  assenta  num acordo de coligação entre os dois partidos ,  validamente suportado por uma maioria de Deputados na AR. A nova recomposição governamental / remodelação que o PSD e o CDS apresentaram  é absolutamente inatacável do ponto de vista da sua legitimidade constitucional. O PR não tem um único argumento  válido para a não aceitar.
É verdade que o  PR disse que o Governo está em funções, mas ao anunciar a dissolução a prazo da AR e ao não dar resposta à remodelação governamental, colocou o Governo objectivamente em gestão. Eis outra grave entorse da Constituição…
Para ser coerente teria de demitir desde já o Governo, já que considerou indesejável convocar eleições imediatamente  .  Teria então de descobrir factos que fundamentassem a constatação do " irregular funcionamento das instituições democráticas" fora dos argumentos  comunistas ,  bloquistas e verdes ,  é claro ( que entendem estarem  a democracia e as “ conquistas”   em crise  desde 1982  ) .  Quais os factos concretos que permitiriam  chegar a essa conclusão ?  O Ministro Portas ter anunciado a demissão e ter voltado com a palavra atrás ? O Ministro Gaspar ter-se demitido e publicitado uma carta? Por graves ou criticáveis que possam ser tais factos ( e é discutível)  não traduzem qualquer situação de irregular funcionamento das instituições democráticas.
Ora,  se o PR não pode demitir o Governo, não pode , por maioria de razão,  impedir a remodelação que o PM lhe apresentou . E menos ainda- e aí não só pelas razões de natureza económica e  financeira, que invocou no seu discurso, como por razões políticas - dissolver a AR e convocar novas eleições. Umas e outras, muito simplesmente,  por respeito para com a Constituição ( que  não está suspensa)...

1 Comentários:

Blogger A.Teixeira disse...

Depois de uma hibernação de mais de três anos será que teremos direito a novo conjunto de crónicas destinadas a futura compilação como a de 2002?

Só que me parece, em título e em vez do "Pessimismo Democrático" da original há que se ser agora superlativo: que tal "Pessimismo Democrático Ainda Mais Pessimista"?

2:33 da tarde  

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